segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Olá (cá estamos nós outra vez)


Olá
Sempre apanhaste o tal comboio,
Eu já perdi 2 ou 3
Entre o ócio e as esquinas,
Ganhei o vício da estrada
Nesta outra encruzilhada

Talvez agora a coisa dê,
O passado foi á história
Cá estamos nós outra vez

Conheço a tua cara
Mas não sei o teu nome
Escrevo já aqui, não sei o quê,
@.com
Eu vou-te reencontrar noutro bar de estação
Ou talvez quando perder mais um avião

O barco vai de saída,
Tu estás tão bronzeada,
É tão bom ver-te assim, ardente,
Tão queimada

Eu quero reencontrar-te
Noutra esquina qualquer
Sem saber o teu nome, se ainda és mulher

Quero reconhecer-te e beber um café,
Dizer-te de onde venho e perguntar-te
Porquê
Sorrir de cá do fundo e subir os degraus,
Eu quero dar-te um beijo a 50 e tal graus

Sempre apanhaste o tal comboio,
Eu já perdi 2 ou 3
Entre o ócio e as esquinas,
Ganhei o vício da estrada
Nesta outra encruzilhada

Talvez agora a coisa dê,
O passado foi á história
Cá estamos nós outra vez
Cá estamos nós outra vez

Jorge Palma, “Voo Nocturno”, 2007

* Foto retirada da Internet

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

O coração, se pudesse pensar, pararia...


"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum.

Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."
«Livro do Desassossego composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa» por Fernando Pessoa
*Pintura de Almada Negreiros "Retrato do poeta Fernando Pessoa", 1954

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Poema sobre a recusa


Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

Maria Teresa Horta