segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Conta comigo sempre

Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota de sangue.
Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas vezes constelação e outras vezes
árvore, tantas vezes equilíbrio, outras tantas tempestade. A nossa memória é um
mistério, recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na qual consigo
distinguir com clareza as flautas, os violinos, o oboé.
O sonho é, e será sempre e apenas dos vivos, dos que mastigam o pão da dúvida e
da carne deslumbrada das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as
mãos com uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se aninha no
coração e se alimenta de amor, esse amor acima do desejo, bem acima do
sofrimento. Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas, ergo-me da
face da mesma moeda em que te reconheço, contigo quero festejar dias antigos e
o dias que hão-de vir, contigo repartirei também a minha fome mas, e sobretudo,
repartirei até o que é indivisível. Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo.
Estarei presente quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora
decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua antiga coragem vacilar.
Caminharei a teu lado. Haverá decerto, algumas flores derrubadas, mas haverá
igualmente um sol limpo que interrogará as tuas mãos e te ajudará a encontrar,
entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer, as mais sábias
e as mais livres.
Conta comigo sempre.

Joaquim Pessoa