sexta-feira, novembro 17, 2006

O Sangue


No meio da noite cálida,
observo os rostos que passam
no corredor da morte
e engulo um café amargo
que me pesa no estômago.
No meio da mesa redonda
vejo as mãos distantes e pesadas
de quem não adivinha o futuro
e insisto na leitura apática
dos sinais que me sufocam.

No meio da noite sem brisa
o sangue brota das feridas,
e espalha-se nas pedras brancas,
em direcção ao rio.

No meio do desespero das vozes que chamam
eu vagueio no pânico opaco
que se instalou entre nós
e tento refugiar-me
nas lágrimas ácidas que me humedecem a roupa.
No meio dos corpos que caem,
procuro um sentido para um tempo absurdo
que se move em câmara lenta
e ouço aplausos distantes da plateia serena
que assiste à tragédia.

No meio da noite sem brisa
o sangue brota das feridas,
e alastra na minha pele
em direcção à vergonha que me consome.

Enquanto gritamos no silêncio escuro
e o branco se torna vermelho (de sangue),
a noite procura a madrugada
e o mundo todo adormece
menos nós.