Em fuga
Como era habitual, ela começou pelo fim. Tinha esta mania incontrolável de trocar as voltas a toda a gente, de as fazer torcer o nariz de inquietação, de as fazer abrir a boca e os olhos de espanto. Isso dava-lhe um prazer imenso, uma satisfação sem precedentes. Aurora considerava-se uma mulher inteligente e imprevisível. Sempre assim fora e não queria mudar. Gostava de calcorrear as ruas á noite, gritar palavras sem sentido ou simplesmente ficar em silêncio nos momentos em que toda a gente lhe cobrava uma resposta. As pessoas que se cruzavam no seu caminho, tinham dificuldade em compreendê-la. No fundo era uma solitária, uma alma errante á procura de respostas para um mundo confuso, que não conseguia abarcar. Até que um dia encontrou Romeu. Romeu era um jovem moreno, que lia livros compulsivamente, tocava trompete nas noites frias e cheirava sempre a montanha. Conheceram-se numa viagem de comboio entre Lisboa e Sintra, quando Aurora deixou cair o bilhete e ele prontamente o apanhou e lho entregou, olhando-a fixamente nos olhos. Ao observa-la discretamente, reparou que tinha pernas esguias e apetecíveis e soube nesse instante que tinha de namorar com ela. Afinal de contas, já era altura de perder a mania de namorar os lençóis.
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