segunda-feira, março 02, 2020

Flores e Lâminas


Sabia que já nada havia a fazer. Restava-lhe apenas lamber as feridas e partir. Sairia dali com pouca bagagem: meia dúzia de livros de poemas, um disco da Kate Bush da sua coleção de clássicos e uma ou duas peças de roupa. Nada mais. Não deixaria marcas. Não haveria despedidas. Já tudo tinha sido dito, vivido e sentido. Já se tinham esgotado todas as mentiras, todas as razões, todas as dúvidas. Todos os gestos eram agora inúteis, todas as palavras eram já objetos cortantes. Olhou uma última vez para a casa em silêncio antes de sair: já não sentia a brisa fresca do Verão no rosto e o Amor tinha por fim encontrado o seu caminho de flores e de lâminas.

 

Foto: Marina Abramvocic e Ulay "Rest Energy", Amsterdam 1980