terça-feira, novembro 09, 2010

O Comboio Can-Can


O comboio avança no seu ritmo galopante. É uma manhã clara, como tantas manhãs de Primavera. Tenho a cabeça encostada á janela e, do outro lado do vidro, a paisagem suburbana corre cinzenta, igual a todos os dias. Dentro do comboio, é hora de ponta.
Por entre as pálpebras pesadas do sono precocemente interrompido, percebo que alguém se senta no lugar ao meu lado. Chega-me às narinas um odor intenso, um agradável perfume de homem. Olho de soslaio para o passageiro. É um homem jovem, de pele clara e cabelo loiro. Veste um fato escuro, de uma cor indefinida que parece um pouco fora de moda. Lê um livro pequeno, de capa vermelha. Há algo na sua figura que me é familiar e que, ao mesmo tempo me intriga. Parece saído de um filme. Por segundos, levanta os olhos do livro e encara-me de frente, com um par de olhos verdes brilhantes e inquiridores. Tenho então uma revelação fantástica: é Christian. Ainda mal tinha assimilado esta informação surpreendente, quando surge um homem minúsculo, de óculos redondos e bigode fino, muito agitado e que grita: “Christian, prepara-te”…O homem pequeno parece… Toulouse-Lautrec?
Ouve-se uma música. Distingo a melodia de “Your Song” de Elton John, que soa, cada vez mais alto. Christian levanta-se do lugar e parece dirigir-se a alguém… é Satine que chega, deslumbrante num vestido vermelho reluzente, com os cabelos ruivos em desalinho. Linda como eu me lembrava dela. Tocam-se nas mãos, beijam-se na boca, dançam por todo o comboio, rodopiam ao som da música.
Olho em volta, estupefacta. No meio de toda esta euforia de Moulin Rouge, todos os passageiros parecem indiferentes ao que se passa, como se a festa fosse invisível aos seus olhos.
Agora ouve-se Can Can… bailarinas de vestidos rodados aparecem, entre movimentos arrojados de pernas e folhos coloridos… são muitas, são tantas que ocupam todo o espaço livre do comboio… Toulouse dança freneticamente com uma bailarina de cabelo negro e pernas atrevidas e Christian e Satine juntam-se á celebração, de mãos e corpos entrelaçados.
A música sobe de tom, e um solavanco repentino do comboio, faz-me estremecer no assento. Procuro Satine, Toulouse, as bailarinas de Can Can. Procuro Christian. Ao meu lado, está um senhor gordo, de cabelo ralo, que lê o jornal desportivo. Olho para ele desapontada e pergunto-me se alguma vez terá ido ao Moulin Rouge.
Eu nunca fui. E isso é imperdoável.
* Foto retirada da Internet