quarta-feira, março 14, 2012

Crowds

Andaremos sempre de passagem
nessa vida a que fugiste
sem tu saberes sequer como são
as paisagens pálidas do meu franzir.
É uma dupla atrocidade
saber-te quente só com as mãos,
sentir-te e escrever-te
e inventar-me em chuvas incertas
onde andam mortas as multidões
adormecidas no meu sono
de tanto querer não te querer tanto.
Amar-me é suicídio, por mim nunca serias, mas és,
a força dinâmica de um contratempo.
Sob este vento as nuvens são pianos que falam de um de nós.
Escrevo o teu nome na areia
até que os dias acordem limpos.

W.D. Sevahc



quinta-feira, março 08, 2012

A erosão dos sentidos


Cerquei-me de angústia
sem dar um passo,
embrulhei-me num manto de cansaço
que me tortura e desgasta,
uma redoma de sentido de justiça
que me ensurdece,
que me cega e bloqueia de sentir
o que é certo.
Folheio gestos como se fossem
palavras prensadas num almanaque
anual,
dou-lhes pseudónimos obscuros
e escondo-os numa gaveta empenada
junto à cabeceira da cama,
quero esquecer que isso existe,
quero acreditar que a dor é um castigo
merecido e que a erosão que me rompe
as entranhas não passa de um truque vulgar.
Componho a mise-en-scène de memórias
sobre uma estante da sala e escrupulosamente
vou juntando os pedaços,
como um puzzle de arritmias mentais que
soluçam ao som de um metrónomo.
Vou recordando os silêncios e as mentiras
forjadas no corpo sem vontade de ceder,
quero respirá-las,
encher os pulmões de ar desse crude
e vomitá-las de uma só vez,
quero ser eu,
não tu,
não nós,
apenas eu,
uma ravina imponente onde o sol nasce
e se deita,
orgulhosamente erguida com bater das
ondas do mar.
Pedro Lima

segunda-feira, março 05, 2012

Há uma mulher a morrer sentada

Há uma mulher a morrer sentada
Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente
Como cisne que se prepara
Para cantar
Ela está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para
dentro
Ela é tão bonita ao relento
Inesgotável
É tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempo
Sei que não posso chamá-la das margens
Daniel faria, in "Dos Líquidos"