Do ato de desistir
No tempo em que existias eu não te quis. Por dentro de redes de espuma e espelhos nublados nós perdemo-nos no escuro, afogámo-nos na areia movediça do deserto. Eu não me debati. Perder-te fazia parte do plano, não foi um acidente inesperado. Lutar tornou-se desnecessário, um esforço hercúleo que não fazia sentido porque nunca teria sucesso. A minha decisão foi desistir. É fácil desistir quando todos os teus dias são cinzentos, quando toda a gente já te deixou á espera de uma resposta, quando todas as tuas palavras ecoam no espaço vazio, quando a tua vida é uma constante repetição de um filme antigo que toda a gente já viu um milhão de vezes. Desistir é o certo, a única coisa inteligente a fazer. E não digo, desistir por hoje. Desistir é para sempre. É definitivo. É irrefutável. Senão não é desistir, é apenas fazer uma pausa, dar uma trégua á realidade. É dar uma oportunidade á esperança. E isso é proibido. Do ponto onde me encontro hoje, ao olhar para trás percebo que desistir foi sempre fácil. Eu não acredito no tempo porque ele engana-nos, prega-nos rasteiras, ilude-nos com promessas de dias soalheiros que nunca chegam, enquanto olhamos o céu cinzento e nos abrigamos da chuva.
Nada é tão certeiro como o ato de desistir.