Conselhos da Avó
Alta. Definitivamente, sou alta.
Ter 177 cm para uma mulher já é bastante. Ou pelo menos, mais do que é
habitual. Penso que é a primeira característica com que toda a gente me
descreve, aquela que é tão óbvia que é impossível ignorar. Depois os cabelos.
Castanhos escuros, quase pretos, longos, espessos e indomáveis. Impossíveis de
controlar. Com vida própria. Os olhos são de tamanho médio, de um castanho
bastante escuro. Há quem diga que são tristes. Eu digo que têm dias. O nariz
ocupa demasiado espaço na cara. É um pouco “abatatado”, marca de família. Todos
temos o nariz igual. Não engana. A boca é pequena e os lábios são finos. Não
são bonitos. Falta-lhes aquele volume que os torna apetecíveis. Não sou
demasiadamente gorda nem demasiadamente magra, embora me sobre carne nalguns
sítios indesejáveis. O peito podia ser mais cheio, mas não me queixo. Apesar de
tudo, não é feio. As mãos são esguias, com dedos frágeis e finos. As pernas são
longas, cheias mas até bastante elegantes e bonitas. Diria que não estão mal.
A minha Avó costumava dar-me conselhos de como eu me poderia tornar uma mulher mais bonita. Fazia-lhe alguma confusão a minha juventude pouco enfeitada, desprovida de saias, cores garridas e acessórios. Dizia-me muitas vezes que era impensável uma rapariga nova como eu andar sempre vestida de preto e sempre enfiada numas calças de ganga. Ela nasceu no princípio do século XX e, nesse tempo, as mulheres queriam-se cheias de vida e enfeites, brincos e colares de pérolas e saias bonitas (mas decentes). Eu saía totalmente fora desse ideal feminino, e ela aconselhou-me muitas e muitas vezes sobre como devia usar saias não muito justas para valorizar as minhas pernas compridas mas não marcar demasiadamente a forma redonda das ancas, de como devia usar brincos compridos para me compor o rosto oval ou como devia por um colar que me acentuasse o pescoço esguio. Desafiava-me a usar roupas de cores vivas, porque isso me realçava a tez morena e a comprar soutiens que me arrebitassem o peito pequeno. E queria que eu sorrisse mais. Afirmava que não existia melhor virtude numa mulher do que um belo e franco sorriso. Morreu aos 98 anos de idade e eu nunca a ouvi verdadeiramente. Penso que nunca prestei atenção devida aos seus sábios conselhos. Mas devia. Sei-o hoje.