quinta-feira, agosto 31, 2006

No fogo dos dias sempre iguais


Acordo hoje num dia igual a ontem
O tempo é marcado no relógio de pulso
Á cabeceira
E os ponteiros avançam dentro da minha cabeça
Saí da madrugada e ainda não há luz

Os gestos repetem-se, as palavras já alguém as disse
(mesmo que com outros sentidos)
E o Amor teima em não se expandir
O tédio devasta-me
E a tarde apanha-me de surpresa

Quero mergulhar em águas salgadas e revoltas
Quero que o Sol do meio dia me abra fendas na pele ávida
De humidade e afectos
É noite
E apenas ardo no fogo dos dias sempre iguais

Trilhos


Sinto o peso da porta que se abre nas mãos e no peito,
penetro na penumbra e respiro o fumo.
Tenho os olhos e as mãos no escuro,
o medo pulsante na boca do estômago.

Avanço por entre a multidão desconhecida, de gestos estranhos
e rostos transfigurados e nasço silenciosamente da noite.

Olho-te demoradamente e em êxtase e o teu sorriso furtivo
diz-me que me reconheces.
No minuto preciso da explosão,
o teu corpo fez-me mudar de rumo e trilhar outros caminhos.

* Foto de Grugster




A Chuva que cai


Procuro na chuva que cai
Aquilo que não encontro
Nos meus dedos
E insisto em esconder o medo
Que tenho de te perder

Enterro o coração que palpita,
Sem temor nem vergonha,
Na terra molhada de ontem
E coloco no peito vazio
Uma estrela cadente

Incendeio o corpo agitado
Com a tua seiva e saliva,
Dentro de uma cama estreita
E transbordo de luminosidade
Com a janela aberta

Devoro o tempo que passa
Com fome e sede de mar
Na contemplação dos dias
E rasgo a roupa com fúria
Sempre que estás ausente

Sempre que o vento muda e o Amor cresce,
Tu dizes-me uma mentira
E mordes-me os lábios doces


* Foto de Silvery Lilly

Amor em Camadas


Sinto crescer na cabeça
Um monstro delirante
Que me mastiga o cerébro
E me tira o sono, nalgumas noites.
Tenho a alma conspurcada
com pensamentos obscenos
e as entranhas intactas,
porque nunca senti o teu toque.

Corto o coração em pedaços pequenos
E disponho o Amor em camadas.

Das feridas abertas escorre lava e não sangue,
Das minhas mãos brota o desespero,
Enquanto Das tuas nasce música, todos os dias.
Amo-te em silêncio e no escuro,
De encontro ao lençol gelado,
Nos momentos breves em que não me vês
E que não me reconheces.

Corto o Amor em pedaços pequenos
E distribuo-o
Exponho o coração em camadas
E ofereço-to.

* Foto de Lullacrie



terça-feira, agosto 29, 2006

Espelhos e Máscaras


Nos momentos em que te observo
É visível
Nos meus olhos
A luz desesperante do desejo

Sermpre que os nossos olhares se cruzam
(mesmo que só por um instante)
falta-me o ar
E sufoco

Olhamo-nos através de espelhos
Mantemos intactas as nossas máscaras
e disfarçamos
aquilo que é evidente

Queremos viver apenas com olhos
E ouvidos
Mas o nosso corpo grita
E falta o cheiro, o toque, o sabor

Tenho o corpo desvairado
Avanço aos trambolhões na escuridão
Sou sonâmbula
E sigo os teus passos na noite

Quero descobrir a que sabe a tua boca
Sinto a alma vazia e o corpo exausto
Debato-me
E o desejo esmaga-me

Estamos separados por máscaras
Unidos por espelhos
Ou vice-versa
Não te encontro e desespero


* Foto de Daimonia